
A cientista política e professora da Universidade Federal de São Carlos Maria do Socorro Sousa Braga. (Foto: Arquivo Pessoal)
Na opinião da doutora em ciência política e professora da Universidade Federal de São Carlos Maria do Socorro Sousa Braga, nenhum dos presidenciáveis que chegaram ao segundo turno soube incorporar, de fato, o sentimento levado às ruas do país em junho de 2013. “Dos vários temas difusos que foram apresentados, o único que prevaleceu ainda no segundo turno foi a corrupção”, diz Maria.
Em entrevista ao Poder Online, entretanto, a cientista política avalia que nenhum candidato se beneficiou particularmente das críticas à corrupção, sobretudo pela estratégia do PT de investir no discurso da credibilidade de instituições como a Polícia Federal. Maria do Socorro também acredita que uma humanização de Dilma durante os debates contribuiu para um bom desempenho. “Ela conseguiu pegar o jeito. No início, passava uma imagem de mulher durona e depois passou a rir, mostrar sensibilidade em várias questões”, elogia.
Por outro lado, na análise da professora, Aécio soube aproveitar o sentimento anti-PT, além de escolher temas estratégicos para conquistar outra parcela do eleitorado. “Uma grande sacada pra explicar tantos votos em Aécio é a questão da segurança pública e a defesa da redução da maioridade penal. Isso mexe com a população”, diz Maria do Socorro, “além desse sentimento anti-PT”.
“Eles representam dois projetos diferentes para o país”, diz a professora, apesar de reconhecer sinais de continuidade entre Dilma e Aécio. Desta vez, as semelhanças se dariam sobretudo na manutenção da lógica dos programas sociais, enquanto uma certa estabilidade na política econômica foi necessária na transição do ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso para seu sucessor petista Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002. Leia abaixo os principais trechos da conversa:
Neste último dia, o voto de indecisos pode influenciar significativamente a disputa presidencial. O que explica tanta gente ainda não ter decidido seu voto?
Na verdade, as últimas pesquisas mostram que o percentual de indecisos está reduzindo, o que significa que eles estavam mesmo em dúvida entre as duas candidaturas. Levando em conta que essa foi uma das eleições mais competitivas, se a gente olha desde 1989 pra cá, ainda havia uma certa insegurança quanto à candidatura do PSDB, pelo Aécio ser uma figura nova no cenário nacional. Tem também uma certa insegurança sobre a política mesmo do PSDB, considerando que em 2001 o Fernando Henrique Cardoso não conseguiu levar à frente o projeto que havia sido prometido, muito por causa daquela crise econômica. Mas há também uma grande crítica ao atual governo, que naturalmente é a principal vidraça.
Algum dos presidenciáveis que chegaram ao segundo turno soube dialogar com aquele sentimento das manifestações de junho do ano passado?
Na verdade, aqueles temas foram pouco debatidos. O único que prevaleceu ainda no segundo turno foi a corrupção. Mas, no fundo, a gente sabe que os dois partidos estão envolvidos em denúncias. Entre os vários temas difusos que apareceram, esse foi um dos poucos que voltou e esteve presente nas eleições. A gente praticamente não ouviu falar da questão da mobilidade urbana, por exemplo. A questão da saúde veio porque você tinha uma indecisa perguntando no último debate da Globo.
A senhora acredita que o debate sobre corrupção colou mais em algum candidato?
Quem está no governo geralmente é mais vidraça e tem que responder mais pelos atos, isso é comum acontecer. Teve o mensalão, a Petrobras… Mas eu não penso que pegou mais no PT não, porque Dilma soube responder com o fato de terem levado à prisão os condenados e de ter aberto investigações. A Polícia Federal foi uma protagonista nessa questão e mostrou que as instituições funcionam, o que é bem visto não só pelos eleitores, mas fora do país também. Se a corrupção tivesse colado mais na Dilma, o Aécio é que estaria subindo entre os indecisos. Mas é o contrário, o que é explicado principalmente por essa resposta de que “há corruptores em qualquer governo, mas estamos tentando punir”.
De uma forma geral, a senhora diria que alguém soube aproveitar melhor os debates?
Acho impressionante como a Dilma cresceu no debate, essa segurança com a qual ela passou a defender todos os programas de transferência de renda e o próprio governo, as instituições. O Aécio ficou no “leviana” e na agressividade, que foi muito criticada pelos eleitores. Ela conseguiu pegar o jeito. No início passava uma imagem de mulher durona e depois passou a rir, mostrar sensibilidade em várias questões. Isso aproxima o eleitor, até porque ela não é nada carismática, quem é carismático é o Lula. Então ela reforçou a imagem de mulher gestora, com os números na ponta da língua, o que soava meio técnico, mas também foi passando firmeza, que é o que parte do eleitor queria ver.
Tem crescido um sentimento de que haveria pouca diferença, na prática, entre eventuais governos do PT e do PSDB. A senhora concorda com essa avaliação?
Não, não. Eles representam dois projetos diferentes para o país. Por mais que se aproximem na questão da macroeconomia, com uma continuidade que é importante para a democracia, existem duas diferenças centrais. Uma é ampliação dos programas sociais, essa questão de tirar tantas pessoas da linha da miséria, é uma marca do PT que o distingue do PSDB. Outra é a política externa. Enquanto o PT e forças próximas sempre defenderam uma relação muito próxima entre os países sul-sul e a valorização do Mercosul e de países mais à esquerda do Brasil, o PSDB prioriza relações sul-norte, com os Estados Unidos e países europeus.
Os eleitores conseguiram perceber essas diferenças?
Acho que sim, principalmente o eleitorado da Classe Média C e os setores mais empobrecidos e humildes, que conseguiram acesso a compra de imóveis, carro e outros bens de consumo como a ida ao cabeleireiro, por exemplo, que normalmente só era consumido por uma classe média mais alta. Os moradores das regiões mais afastadas do sudeste que vinham para o sudeste mudar de vida e agora não precisam mais deixar suas casas. Eles percebem no bolso.
Nestas eleições, o Aécio tem reivindicado até mesmo a autoria de programas de transferência de renda como o Bolsa Família. Seria uma postura eleitoreira ou a senhora acredita que esses programas de fato seriam incorporados numa eventual vitória tucana?
Eu penso que eles continuariam, sim, porque se você tira passa a ser impopular e eles muito provavelmente nem conseguiriam fazer um sucessor no próximo mandato. Talvez eles não ampliassem, ou se limitassem a construir programas próprios com portas de saída para os programas já existentes. Seria similar ao PT, quando pegou o governo em 2002 e manteve, de certa forma, os pilares da macroeconomia – o que só começou a mudar um pouco no governo Dilma, até porque se mudasse muito bruscamente o Brasil teria um baque.
Além das diferenças ideológicas entre petistas e tucanos, boa parte do voto no PSDB vem de um sentimento anti-PT. O que representa, hoje, o voto em Aécio?
Uma grande sacada pra explicar tantos votos em Aécio é a questão da segurança pública e a defesa da redução da maioridade penal. Isso mexe com a população. Além desse sentimento anti-PT e várias críticas ao governo Dilma. Algumas decisões econômicas do PT geraram reação muito forte por alguns setores da sociedade. Fora que a mídia tradicional é extremamente crítica ao governo e assumiu uma postura muito radical. Tem aí uma critica também de setores da classe média a essa política de distribuição de renda da forma como é feita, além dos chavões que ficaram de Bolsa Esmola e Bolsa Preguiça. Mesmo com a defesa do Aécio, a gente sabe que parte desse eleitorado é muito crítica aos programas. Só que esses programas são muito populares, ser contra tira muito voto. A gente sabe que as pessoas mais críticas ao investimento nos serviços públicos e nesses programas são aqueles eleitores de uma classe que não usa esses serviços.
Existe um certo cansaço da polarização entre PT e PSDB e parte do eleitorado foi conquistada pela ex-senadora Marina Silva, com o discurso da chamada “terceira via”. Se aliar ao Aécio seria a derrota política desse discurso?
Sim, com certeza. E na minha opinião, começou bem antes, quando Marina entrou no PSB. Sei que ali era porque ela não tinha condição de ter uma candidatura própria e eles abriram espaço para ela defender muitas coisas. Ao se aliar com Aécio, ela se desconstruiu mais ainda. Em uma eventual vitória do Aécio, ela ainda poderia ocupar algum cargo e ter visibilidade pública nos próximos anos, para se fortalecer. Como provavelmente não vai ser isso que vai acontecer, ela vai ter dificuldade de se recuperar. Mas ela se desconstruiu sozinha, ao dar essa guinada, ao mudar de opiniões sérias em um mesmo dia. Ela perdeu tanto votos dos evangélicos como do eleitorado mais progressista, por isso que ela teve uma votação muito próxima da de 2010. Não consigo ver muito futuro para Marina não.
Boa parte da vantagem de Dilma é atribuída à militância de esquerda, nas ruas. Existe chance de isso levar a um maior diálogo entre a presidente e os movimentos sociais, num eventual segundo mandato?
A expectativa é essa. Imagino que quanto maior o número de votos que a militância trouxer, maior será a interlocução com esses setores, porque ela dependeu muito dessa militância que, realmente, só cresceu no segundo turno. Havia um afastamento muito grande da militância e no segundo turno o PT conseguiu essa guinada.
Mas, com a nova composição do Congresso Nacional, não será difícil conciliar as expectativas da militância com a governabilidade? A senhora enxerga algum tema reivindicado pelos movimentos sociais no qual ela tenha chances reais de avançar?
Realmente, a governabilidade vai ser difícil porque ela vai pegar um Congresso ainda mais conservador. Mas acho que uma das questões que os jovens mais queriam em junho era a passagem gratuita. Talvez ela consiga avançar nessas políticas de mobilidade urbana.